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O Privilegiômetro Tributário da Unafisco Nacional toma como ponto de partida os dados divulgados no Demonstrativo dos Gastos Tributários (DGT), documento elaborado pela Receita Federal, que acompanha anualmente o Projeto de Lei Orçamentária Anual. Entretanto, conforme será explicado adiante, apenas os valores constantes do DGT não são suficientes para quantificar os privilégios tributários, bem como nem todos os gastos tributários estão inseridos no conceito de privilégio tributário.
A elaboração do Demonstrativo dos Gastos Tributários é determinada constitucionalmente. O artigo 165, §6º, da Constituição Federal, dispõe que:

Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:
(...)
§ 6º O projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia.” [g.n.]

Entende-se, portanto, que o Demonstrativo deverá abranger todas as renúncias fiscais decorrentes de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios.
De acordo com a Receita Federal, o DGT tem como objetivo:

“(...) estimar a perda de arrecadação decorrente da concessão de benefícios de natureza tributária (gastos tributários) e, desse modo, dar maior transparência às políticas fiscais e aos tratamentos diferenciados existentes, bem como subsidiar os formuladores de políticas públicas e possibilitar aos cidadãos visualizar a alocação dos recursos públicos e a distribuição da carga tributária.”

Pode-se, assim, afirmar que a expressão “gastos tributários” é aplicada no DGT como sinônimo de benefícios tributários, sendo definida pela Receita Federal como:

“(...) gastos indiretos do governo realizados por intermédio do sistema tributário, visando a atender objetivos econômicos e sociais e constituem-se em uma exceção ao Sistema Tributário de Referência – STR, reduzindo a arrecadação potencial e, consequentemente, aumentando a disponibilidade econômica do contribuinte.”

O conceito acima apresentado assemelha-se ao proposto pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), contudo a Organização esclarece que não se trata de uma definição uníssona, visto que há certa dificuldade em se determinar as estruturas básicas dos tributos que compõe o chamado Sistema Tributário de Referência .
Em termos similares, o Centro Interamericano de Administrações Tributárias (Ciat) traz a seguinte definição:

“Los GT son el resultado económico de las excepciones a un impuesto de referencia o a un sistema tributario de referencia.
El sistema tributario de referencia por lo general incluye los elementos constitutivos de la naturaliza del impuesto: de determinación del monto imponible, la estructura de tasas, las prácticas contables aceptadas, la forma y condiciones de la deducción de los gastos realizados, normas específicas para facilitar la administración de tributos, entre otros.”

Por serem gastos públicos indiretos, há certa dificuldade em se mensurar o custo-benefício destes gastos e quem são, de fato, seus beneficiários, visto que não existe uma metodologia geral para esta avaliação. Por esta razão, o Ciat alega que os gastos tributários levantam mais discussões acerca de suas desvantagens do que de suas vantagens.

Observa-se, portanto, que a Receita Federal, em termos semelhantes aos órgãos internacionais, optou por utilizar critérios econômicos na definição do Demonstrativo dos Gastos Tributários. Porém não se mostra cabível interpretar o DGT com conceitos meramente econômicos, sendo essencial que se faça uma análise interdisciplinar da determinação constitucional, considerando uma interpretação jurídico-teleológica do art. 165, §6º da Constituição Federal, de modo a levar em conta o objetivo do Constituinte ao inserir tal dispositivo na Carta da República.

Entretanto, não iremos adentrar no debate acerca das vantagens ou desvantagens da opção política pelos gastos indiretos, mas sim avaliar quais os gastos atualmente vigentes constituem-se como privilégios a determinados contribuintes, em detrimento do interesse social.

 

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Ano 2023

GASTO TRIBUTÁRIO

VALOR (R$)

CONSIDERADO PRIVILÉGIO?

VALOR DO PRIVILÉGIO TRIBUTÁRIO (R$)

Isenção dos Lucros e Dividendos Distribuídos por Pessoa Jurídica
74.654.761.129

SIM

74.654.761.129

Não Instituição do IGF
73.418.631.115

SIM

73.418.631.115

Zona Franca de Manaus
54.658.172.974

SIM

54.658.172.974

Programas de parcelamentos especiais
37.370.058.877

SIM

37.370.058.877

Agricultura e Agroindústria - Desoneração Cesta Básica
34.790.999.777

PARCIAL

24.680.426.323

Simples Nacional
88.536.298.118

PARCIAL

21.699.845.976

Entidades Filantrópicas
14.116.058.025

SIM

14.116.058.025

Títulos de Crédito - Setor Imobiliário e do Agronegócio
13.927.250.187

SIM

13.927.250.187

Exportação da Produção Rural
10.032.731.907

SIM

10.032.731.907

Desoneração da folha de salários
9.355.971.584

SIM

9.355.971.584

TOTAL DOS 10 MAIORES PRIVILÉGIOS

333.913.908.096

Fonte: Receita Federal do Brasil. Elaboração própria.

 

Como se depreende da tabela acima, os dez maiores privilégios tributários correspondem a 77% do total de privilégios previstos para o ano 2022. Ainda, os dois maiores privilégios tributários, que causam uma relevante renúncia de receita aos cofres públicos, são aqueles que não se encontram no DGT: a isenção de dividendos e a não instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas. Resta, portanto, evidente que os maiores beneficiados com os privilégios tributários são justamente aqueles contribuintes que têm maior capacidade contributiva e que, nos termos da Constituição Federal, deveriam arcar com obrigações tributárias proporcionais à capacidade econômica que demonstram.

Cabe fazermos um esclarecimento acerca dos gastos tributários considerados parcialmente como privilégios, são eles: Simples Nacional, desoneração da cesta básica e medicamentos.

Com relação ao Simples Nacional, não se considerou a totalidade do gasto como privilégio tributário, visto que se trata de um incentivo essencial às micro e pequenas empresas e que atende ao previsto no art. 146, III, alínea D da Constituição Federal. Contudo, vale pontuar que o limite da receita bruta permitido no Simples Nacional atualmente é consideravelmente alto e fora da prática internacional: R$ 4,8 milhões por ano, nos termos da Lei Complementar 155, de 2016.

Por esta razão, o Privilegiômetro contabilizou tão somente como privilégio os gastos relativos às pessoas jurídicas optantes pelo Simples Nacional com receita bruta superior a R$ 1,2 milhão. De acordo com dados da Receita Federal, em 2014, 60% do faturamento das empresas do Simples eram de pessoas jurídicas com receita bruta de até R$ 1,2 milhão, razão pela qual levou-se em conta que 60% dos gastos tributários relativos ao Simples Nacional não são considerados como privilégio, tendo em vista que cumprem o objetivo de estímulo às micro e pequenas empresas dentro de um limite de faturamento que se harmoniza com a razoabilidade.

Já a desoneração da cesta básica e dos medicamentos não se configura como privilégio tributário naquela parcela aproveitada por contribuintes incluídos no programa Bolsa Família, tendo em conta que tais contribuintes notoriamente não possuem capacidade contributiva. Assim, considerou-se que apenas a parcela correspondente ao consumo destes itens pelas pessoas que não estão assistidas pelo Bolsa Família é um gasto tributário que se configura em privilégio.

A partir dos dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018, do IBGE, e de informações oficiais do governo federal, verificou-se que 21% das famílias brasileiras são beneficiárias do programa Bolsa Família – são aquelas famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza, com renda mensal de até R$ 89,00 por pessoa. Projetando que, em média, as famílias brasileiras consomem medicamentos e produtos da cesta básica de forma uniforme, 21% do gasto tributário relativo a referidos bens constituem-se como benefício para as famílias mais pobres, cumprindo, assim, uma função social essencial e, portanto, 79% do gasto enquadra-se como privilégio por beneficiar os contribuintes com mais capacidade contributiva.

 

A desoneração da folha de salários – Lei 14.020, de 2020

Conforme pode ser visto na tabela acima, entre os dez maiores privilégios tributários está a desoneração da folha de salários, entretanto, este dado não encontra previsão no Demonstrativo dos Gastos Tributários (DGT). A renúncia decorrente da desoneração da folha não foi contemplada no DGT, pois este foi encaminhado ao Congresso Nacional em agosto de 2021, junto do Projeto de Lei do Orçamento (PLOA) e, portanto, refletia a situação das estimativas de renúncia daquele momento — a desoneração da folha foi objeto de discussão no Congresso Nacional e prorrogada, após sanção presidencial, em 31 de dezembro de 2021.

A desoneração da folha de salários se estenderá até 31 de dezembro de 2023, nos termos da Lei n.º 14.288/2021, e mesmo com a nova situação não houve atualização dos dados no DGT. Destaca-se que a interpretação do art. 165, §6º, da CF/88, expressa que a finalidade do DGT é permitir, a partir de informações fornecidas, uma avaliação das políticas públicas e das renúncias fiscais incorporadas no orçamento anual nacional e seus impactos para a coletividade.

Após a aprovação de uma nova renúncia de receita é imprescindível que os dados do demonstrativo sejam atualizados, para que seja possível uma discussão entre os parlamentares que leve em conta a real situação dos gastos tributários. E mesmo após a votação do orçamento, se novas renúncias surgirem para o ano em questão, a Receita Federal deveria atualizar o DGT ressalvando a informação que foi fornecida até a data daquele evento.

Assim considerado, a desoneração da folha de salários acarretará uma renúncia de aproximadamente R$ 12.032.787.193 — o valor foi projetado a partir da informação do DGT de 2020, atualizado com a estimativa do PIB de 2021 —4,9% e com a incidência do IPCA estimado para 2021 de 10,74% , de acordo com o Banco Central do Brasil. Trata-se, portanto, de um gasto tributário de valor relevante, sendo o oitavo maior privilégio a ser concedido em 2022.

 

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 Tomando como referência a tabela abaixo, podemos citar alguns exemplos em que os valores dos privilégios tributários poderiam ser melhores empregados, gerando um notório benefício para a sociedade. 

Tabela resumo dos custos levantados

OBRA

VALOR MÉDIO POR UNIDADE

Construção de escola (município de São Paulo – 255 alunos de Ed. Infantil e Fundamental)

R$ 5.109.814,55

Construção de UBS (município de São Paulo)

R$ 5.858.763,82

Construção de UPA (município de São Paulo)

R$ 4.881.522,17

Construção de unidade habitacional – 47m² (município de São Paulo)

R$ 52.299,70

Policial militar em atividade (Estado de São Paulo)

R$ 231.824,92

 (Valores com base nas obras realizadas no Município de São Paulo/SP)

 

Se considerarmos que neste ano de 2023 o Brasil concederá mais de R$ 440 bilhões em privilégios tributários, com esse valor o governo poderia:

  • Construir cerca de 86 mil escolas para 225 alunos no município de São Paulo
  • Construir cerca de 75 mil UBS (Unidade Básica de Saúde) no município de São Paulo
  • Construir cerca de 90 mil UPA (Unidade de Pronto Atendimento) no município de São Paulo
  • Construir 8,4 milhões de unidades habitacionais de 47m² no município de São Paulo
  • Manter em atividade mais de 1,9 milhão de policiais militares no Estado de SP

 

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O conceito de privilégios tributários proposto pela Unafisco Nacional é o seguinte: privilégios tributários são aqueles gastos tributários — oriundos da omissão na criação de tributo constitucionalmente previsto e das isenções, anistias, remissões, subsídios, benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia — concedidos a setores ou parcelas específicas de contribuintes, sem que exista contrapartida adequada, notória ou comprovada por estudos técnicos, para o desenvolvimento econômico sustentável sem aumento da concentração de renda ou para a diminuição das desigualdades no País.

Neste ponto, cabe fazer uma importante observação: o Demonstrativo dos Gastos Tributários elaborado pela Receita Federal não traz informações acerca da totalidade de gastos tributários: verifica-se que algumas renúncias — que se enquadram no conceito de gasto tributário previsto no art. 165, §6º da Constituição Federal (CF) — não constam no Demonstrativo.

Dois exemplos bem expressivos podem ser observados. O primeiro é a isenção do imposto sobre a renda dos lucros e dividendos distribuídos por pessoa jurídica, instituída pelo art. 10 da lei 9.249/1995. O segundo, são as anistias e remissões concedidas nos programas de parcelamentos especiais. Ambos deveriam constar no DGT, conforme a determinação constitucional citada anteriormente, mas não foram assim considerados.

De acordo com a Receita Federal, a isenção disciplinada na lei 9.249/1995 não é considerada no DGT pois “(...) o tratamento destinado aos dividendos, é considerado como parte da estrutura geral do imposto de renda.”

Entretanto, se adentrarmos na discussão acerca da materialidade do referido imposto, a partir do conceito que podemos extrair do ordenamento jurídico do que é renda, concluiremos que os dividendos se enquadram como renda e, portanto, são passíveis de incidência do imposto previsto no artigo 153, III da CF. Dessa forma, ao se constituir como exceção à regra de incidência do imposto – auferir renda ou proventos de qualquer natureza – a isenção da lei 9.249/1995 deve sim ser compreendida como gasto tributário.

Com relação aos parcelamentos especiais, a justificativa oficial para não constarem no DGT seria o fato de se tratar de diferimento no pagamento dos tributos devidos e não uma redução destes.

Contudo tal justificativa não leva em consideração as remissões e anistias concedidas nestes programas, o que reduz o montante do crédito tributário devido pelo contribuinte. Isto posto, os valores envolvidos nos descontos oferecidos nos programas de parcelamentos especiais devem ser considerados como gastos tributários.

Ademais, a própria Receita Federal afirma que a concessão reiterada destes benefícios acarreta efeito negativo na arrecadação tributária, estimando, 2017, uma perda arrecadatória de R$18,6 bilhões por ano, como consequência indireta dos programas de parcelamentos especiais. Atualizando o valor para os dias atuais, corrigido pelo IPCA e PIB desde 2018, temos R$ 37,3 bilhões.

Os exemplos acima ilustram um dos pontos críticos do DGT elaborado e publicado pela Secretaria da Receita Federal, visto que o levantamento não segue estritamente a previsão do art. 165, §6º da CF. Tal constatação aponta para a probabilidade de outros benefícios fiscais que acarretam renúncia na arrecadação não estarem contabilizados no Demonstrativo.

Assim, se a finalidade do Demonstrativo dos Gastos Tributários é oferecer elementos para subsidiar a formulação de políticas públicas e dar mais transparência às políticas fiscais adotadas pelo governo ou idealizadas pelo Congresso Nacional, a inconsistência dos dados acaba por distorcer tais objetivos e conduzir a uma opção de política tributária dissociada do que está previsto no texto constitucional.

A Unafisco Nacional compreende, ainda, ser de extrema importância considerar a renúncia de receita decorrente da omissão legislativa da regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas – tributo que tem previsão constitucional para sua instituição, restando apenas a edição de lei complementar para que passe a vigorar, nos termos do artigo 153, VII da Constituição Federal, lei esta que nunca foi aprovada pelo Congresso Nacional – como gasto tributário, por se enquadrar na disposição do art. 165, §6º da CF, visto tratar-se de um benefício tributário destinado a um grupo específico de contribuintes. A cada ano o Poder Público abdica de uma receita importante para os cofres públicos, em razão da falta de ação do Poder Legislativo em aprovar referido diploma legal.

Segundo estudo publicado pela Unafisco Nacional, em 2020, o Imposto sobre Grandes Fortunas com uma alíquota de 4,8%, aplicada sobre patrimônio líquido superior a a R$ 4,6 milhões (base de cálculo) apresenta potencial arrecadatório de R$ 58,8 bilhões (já considerando uma sonegação estimada de 27%), tributando-se tão somente 220 mil contribuintes – o que representa 0,1% da população brasileira. Apresentando o valor corrigido pelo IPCA e PIB de 2020 a 2022, o potencial arrecadatório seria de R$ 73,4 bilhões.”

A partir das conclusões do referido estudo, resta claro que a omissão legislativa em questão constitui-se como verdadeiro privilégio tributário, visto que se trata de opção ideológica que protege a camada mais abastada de brasileiros.

Os três exemplos citados acima (isenção de lucros e dividendos do imposto sobre a renda, anistias e remissões em parcelamentos especiais e falta de instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas) definem-se como gastos tributários e como privilégios tributários, porquanto beneficiam setores e contribuintes específicos e não apresentam efeito prático notório para o interesse público ou não estão amparados em estudos técnicos que atestem que concretizam algum benefício para a ordem econômica e social projetada em nossa Carta Maior.

Da mesma forma, como pode ser visto na tabela do Privilegiômetro, diversos outros gastos tributários caracterizam-se como privilégios: é o caso, por exemplo, do Simples Nacional, quando usufruído por empresas com faturamento superior a R$ 1,8 milhão; ou do Programa Rota 2030, que beneficia o setor automotivo, mas não apresenta nenhum estudo comprobatório conhecido de que o incentivo fornecido tem sido convertido em prol do desenvolvimento econômico do País.

 

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